29.8.07

“Num momento de desvario, poderia pegar-te nos braços, torcê-los como à roupa lavada para lhe tirar a agua, ou parti-los ruidosamente, como a dois ramos secos, e depois fazer-tos comer à força. Poderia, segurando-te a cabeça entre as mãos, com um ar caridoso e doce, enterrar-te os dedos ávidos nos lóbulos do teu cérebro inocente, para extrair de lá, com um sorriso nos lábios, um unto eficaz que me lave os lhos, doridos da eterna insónia da vida. Poderia, cosendo-te as pálpebras com uma agulha, privar-te do espectáculo do universo, e pôr-te diante a possibilidade de encontrares o teu caminho; e não seria eu a servir-te de guia. Poderia, erguendo o teu corpo virgem com braço de ferro, agarrar-te pelas pernas, fazer-te girar à minha volta como uma funda, concentrar as forças na última circunferência, e lançar-te contra o muro. Cada uma das gotas de sangue irá cair sobre um peito humano, para assustar os homens e pô-los diante da minha maldade! Não pararão de arrancar o pedaços e pedaços da própria carne, mas a gota de sangue continua inapagável, no mesmo lugar, e brilhará como um diamante. Fica descansada, que eu darei ordens a meia dúzia de criados para guardarem os restos venerados do teu corpo, e os preservarem da fome dos cães vorazes. Claro que o teu corpo ficou colado ao muro, como uma pêra madura, e não caiu no chão; mas os cães podem dar grandes saltos, e é preciso ter cuidado com eles.”

- os cantos de Maldoror, de Isidore Ducasse.

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