24.12.06

Posso escrever os versos mais tristes esta noite,
O
uvir a noite imensa mais profunda sem alegria

E ouvir cair o verso na alma como orvalho num telhado.
A
noite está estrelada e eu estou só.
I
sso é tudo.
A
minha voz no vento, podia tocar o ouvido de alguém,
M
as é tão curta a felicidade e tão demorada a tristeza...
P
orque em noites como esta,
E
u vou ter de apertar os meus próprios braços.





P.S.:

O futuro e incerto.
Sem palavras não há cura.
O meu coração bate à sorte.

21.12.06

Uma árvore perdida no tempo esbraceja a todos os carros que por ela passam. Isolada na berma de uma estrada, sujeita a todos os desejos do tempo. Suas folhas voam para longe si, filhas rebeldes sem amor pela mãe... Cada vez menos vida naqueles fracos ramos, rugas cravadas pelo tempo nos seus membros lembrando-a do quão árdua é a vida. Os cientista chamam a isso estações do ano e intempéries. A árvore nunca havia gostado de palavras grandes.


Os carros passam por ela, ignorando a sua presença, no entanto, existem vezes em que uma gentil criança acena, dando-lhe um pouco de alegria. A árvore sorri por dentro; por fora seria demasiado assustador, certamente que assustaria as pobres crianças que ainda acreditam no Pai Natal.


A morte começa finalmente a encarar a árvore de frente, com o seu penetrante e negro olhar. "Tiveste o teu tempo". Ninguém a acompanha nesta dura batalha excepto uma pequena senhora de costas encurvadas que sempre lhe põe a mão ao passar por ela. Ela vive no número 88 do outro lado da rua e todas as manhãs lhe sorri. Ela viu aquela idosa senhora a crescer, os pequenos cabelos loiros a brotarem-lhe no couro cabeludo e também o seu declínio presenciou. Houve uns anos em que ela tentou atrasar a velhice, tentou pará-la, de modo em vão obviamente. Certos dias ela saía de casa com uns resplandecentes cabelos loiro que teimavam em agarrar-se ao vento. Os olhos da senhora brilhavam, felizes com a sua efémera e ilusória juventude. Mas logo vinham as estações, aquele fenómenos assassinos que, tal como a morte, não nos perdoam e encaram-nos de frente. "Isto é ciência, meus senhores!" É por isso que a Dona Amélia nunca acreditou muito na ida à Lua nem nesta coisa estranha da Internet. Para ela a vida era como o Salazar dizia: Deus, Pátria e Família. Isso sim, são coisas que realmente importam. A árvore que ela tanto amava também concordaria. A juventude muito se queixava da ditadura, tanto valorizava a "liberdade" e abertamente proclamava a democracia mas, para a Dona Amélia, as coisas pouco haviam mudado. As couves continuavam a ser semeadas em Fevereiro e os girassóis continuavam a direccionar-se para o Sol. A evolução tinha passado ao lado dela e ela nem tinha reparado. Mas ela era feliz assim de qualquer das maneiras. Aliás, pouco do mundo exterior a preocupava realmente, apenas as fofocas da Senhora Clotilde realmente lhe importavam.

"Sabe como é D. Clotilde, temos que fazer algo nesta vida senão Deus, Nosso Senhor, leva-me para junto do meu António..."



A D. Emília, na sua simplicidade de vida, nos seus hábitos saloios e no acto de ordenhar a vaca todas as manhãs, era feliz. A evolução era algo dispensável para ela. A árvore bem lhe dizia, "ignorância é bênção".

19.12.06

Uma deliciosa manhã primaveril. O pai, charmoso e ternurento, decide juntar a família para um almoço no parque. As três irmãs, filhas desse mesmo pai, trazem agora os maridos e filhos.

O pai está orgulhoso e feliz por ver a família toda junta e sempre com um novo elemento. Enquanto brinca com o seu familiar mais novo, o pai muda agora para o papel de avó e apesar de perplexo com a beleza da filha do meio, não fica imune aos sorrisos e brincadeiras do tão amado neto que insiste em puxar os seus cabelos grisalhos cheios de historias para contar.

A beleza da filha do meio, é agora objecto de cobiça e inveja para a mais nova, que a observa de maneira tão cruel, que naquele momento, se mordesse a sua própria língua, morreria. Mas há alguém naquele instante que rouba a atenção da musa do meio.

A criança mais bonita e querida por aquela família, está agora deitada no chão, senhora de si mesma, com a perna cruzada e a cativar muitos dos que estão a sua volta com a sua pose de menina feliz, enquanto chama atenção da mãe e irmã mais velha, vaidosa pela filha e do tio, que apesar de não ficar indiferente ao espectáculo que a sua musa proporciona, é cativado pela sobrinha feliz.

A irmã mais nova, cruel, é indiferente aos elogios dados pelo noivo, na sua cabeça só viajam pensamentos frios e azedos, como se por detrás da sua beleza, existisse uma pedra no lugar do coração e não corresse uma gota de sangue nas suas veias. Esta sua arrogância e o “amor” que o noivo interesseiro insiste em dar, são observados de perto pelo mordomo, que serve o champagne com a maior delicadeza e cautela, para não o deixar cair e para que a sua intromissão não seja de modo algum descoberta.

Enquanto o champagne e servido, no lado oposto ao do mordomo, está um dos jovens da família, a olhar, dividido, para o pai a brincar com a criança e para as demonstrações de alegria da menina feliz. Enquanto todos naquele almoço se distraem uns com os outros, há alguém que quebra essa corrente de olhares.

Sentado numa mala, passeia o seu olhar por entre as arvores e sombras do parque. Há alguma coisa a cativa-lo, que faz com que se ausente daquele encontro.






.Produzido por Lady Nikolai Dancy e argumento de Mademoiselle Mathilda.



.Colaboradores:

Hugh Dancy ;
Kate Moss [ Moca p'ós amigos ] ;
Burberry .

4.12.06

Pinheirinho cintilante que brilha e brilha com lâmpadas de 10 watts.

Energia iluminadora, criadora de sorrisos e conforto… Algo etéreo que percorre as duras e frias paredes, aprisionada em cabos de plástico submersos no cimento.

Luzes que acendem e desligam no leito de morte do pinheirinho, crianças que correm em sua volta como bruxas enlouquecidas.

Não, não me vou focar (e peixar, não?) no pinherinho e na sua tortuosa morte mas sim num certo senhor que observava tudo isto. Este senhor chamava-se Bóris e encontrava-se, impassível, por detrás da janela vendo todo aquele estranho rito. Tudo aquilo lhe parecia ingenuamente macabro, como se de repente os unicórnios começassem a comer ratos.

Decidiu acabar com tudo aquilo e cortou os cabos de electricidade da outra casa. Finalmente a luz era livre! Os tétricos "unicórnios” exclamaram “oh!” e aí Bóris sentiu-se realizado e, enquanto caminhava para o seu cadeirão, pensou “isto sim, é espiríto natalício!”

A chuva começou a bater no vidro, que nem uma estranha e distorcida sinfonia. Ele relembra tempos idos, em que o Inverno não existia, apenas a amena e colorida Primavera. Bóris nunca havia percebido como tamanha mudança meteorológica se havia abatido sobre a sua brilhante careca, como a chuva tinha começado e o sol eclipsado…

Há 7 anos atrás, malas foram prostradas à sua porta. As mãos finalmente descansavam depois da longa caminhada… Bóris estranhou esta nova hóspede cujos cabelos brilhavam por debaixo dos fortes raios de sol (teria a primavera voltado?). Por entre os dedos da mão esquerda, que ela massajava continuamente, um cigarro pendia de modo indolente. Bóris inalava aquele cheiro enquanto se perguntava como é que alguém como ela decidira viver numa casa cujas paredes eram forradas a móveis de fórmica. “Estranho facto…” pensou ele, mas logo alguém lhe respondia dentro da sua cabeça “Bóris, esquece isso!”

Os dias que se seguiram foram um choque para Bóris: o silêncio matinal, um habituè naquela casa, tinha sido substituído pelos gracejos (seriam cantigas?) dela durante o seu banho. Ela tinha uma certa predilecção pelas músicas que o homenzinho cego da esquina cantava, Bóris tinha reparado nisso quando finalmente começou a prestar-lhe atenção quando passava por ele a caminho do emprego.

Certo dia, ela chegou a casa com uma nova aquisição, um rádio branco Grundig. O suposto choque de Bóris era agora algo normal naquela casa; aquele ser fascinante que, todos os dias, o surpreendia de certo modo. Ele sentia-se um abutre, como se estivesse a devorar toda aquela alegria de viver que, lentamente, o contagiava. Por vezes, no fim de um serão embalado com uma boa garrafa de whisky, ele juntava-se a ela nas suas estranhas danças ao som de música cubana. Ela dizia-lhe sempre “Bóris, tens de te soltar, deixa-te levar” enquanto lhe agarrava as ancas e obrigava a mexer-se.

Semanas passaram-se e a Primavera não findava, para sua grande felicidade. Whisky era um bem sagrado naquela casa assim como aquele grande rádio Grundig. O sol sempre os iluminava mas uma semana as nuvens vieram e não mais foram embora. 33 cartas ao longo de 7 dias, todos os dias ela as abria e de todas as vezes chorava. No entanto ela nunca se soltava, pelo menos, com Bóris. Apenas o fazia com o whisky e os cigarros. Todos os dias receava chegar a casa e ela já lá não estar. Ao 7º dia esse seu medo tornou-se realidade e a única coisa que restava eram folhas secas no chão do seu quarto e vento a entrar por entre as portadas abertas. E assim findou a primavera e o Inverno veio e não mais houve menina da meteorologia durante o telejornal da noite.


Actualmente, na estação do Outono, Bóris Serôdio é um jovem arquitecto de 55 anos que goza de uma saúde invejável.
É viuvo quase desde o primeiro dia que se casou, e é devido a este infortúnio que não tem descendência e se tornou uma pessoa pouco dada a relações sociais.
Devido à sua constante necessidade de viajar, aos pouco foi-se despegando da sua família, já não os contacta nem conta com eles, é como se não existissem.
Para além de ser um viajante compulsivo, é um leitor voraz, viciado em música e um coleccionador obsessivo, que sempre que pode, traz artefactos ligados à cultura do país que visitou.
É uma pessoa de poucas palavras, mas não deixa de ser um excêntrico, a rotina do dia-a-dia aborrece-o, tem a necessidade de se confrontar com a normalidade em redor para se afirmar que afinal está vivo.
Gosta de passar a maior parte do seu tempo sozinho (com a sua caneta bailando entre o dedo indicador e o anelar), mas não vive na solidão, tem os seu amigos: outros coleccionadores de arte que esporadicamente ele os convida para exibir os seus novos troféus.
Um pormenor curioso: ouvir e ver cair a chuva inspiram


(baseado no perfil do arquitecto Bóris Serôdio, fielmente reproduzido no último excerto de texto e integralmente escrito por Ivan Pereira. O restante texto foi escrito na aula de Português, numa folha perdida de um bloco de croquis A3).



Música : Long Haired Child (Devendra Banhart)