21.12.06

Uma árvore perdida no tempo esbraceja a todos os carros que por ela passam. Isolada na berma de uma estrada, sujeita a todos os desejos do tempo. Suas folhas voam para longe si, filhas rebeldes sem amor pela mãe... Cada vez menos vida naqueles fracos ramos, rugas cravadas pelo tempo nos seus membros lembrando-a do quão árdua é a vida. Os cientista chamam a isso estações do ano e intempéries. A árvore nunca havia gostado de palavras grandes.


Os carros passam por ela, ignorando a sua presença, no entanto, existem vezes em que uma gentil criança acena, dando-lhe um pouco de alegria. A árvore sorri por dentro; por fora seria demasiado assustador, certamente que assustaria as pobres crianças que ainda acreditam no Pai Natal.


A morte começa finalmente a encarar a árvore de frente, com o seu penetrante e negro olhar. "Tiveste o teu tempo". Ninguém a acompanha nesta dura batalha excepto uma pequena senhora de costas encurvadas que sempre lhe põe a mão ao passar por ela. Ela vive no número 88 do outro lado da rua e todas as manhãs lhe sorri. Ela viu aquela idosa senhora a crescer, os pequenos cabelos loiros a brotarem-lhe no couro cabeludo e também o seu declínio presenciou. Houve uns anos em que ela tentou atrasar a velhice, tentou pará-la, de modo em vão obviamente. Certos dias ela saía de casa com uns resplandecentes cabelos loiro que teimavam em agarrar-se ao vento. Os olhos da senhora brilhavam, felizes com a sua efémera e ilusória juventude. Mas logo vinham as estações, aquele fenómenos assassinos que, tal como a morte, não nos perdoam e encaram-nos de frente. "Isto é ciência, meus senhores!" É por isso que a Dona Amélia nunca acreditou muito na ida à Lua nem nesta coisa estranha da Internet. Para ela a vida era como o Salazar dizia: Deus, Pátria e Família. Isso sim, são coisas que realmente importam. A árvore que ela tanto amava também concordaria. A juventude muito se queixava da ditadura, tanto valorizava a "liberdade" e abertamente proclamava a democracia mas, para a Dona Amélia, as coisas pouco haviam mudado. As couves continuavam a ser semeadas em Fevereiro e os girassóis continuavam a direccionar-se para o Sol. A evolução tinha passado ao lado dela e ela nem tinha reparado. Mas ela era feliz assim de qualquer das maneiras. Aliás, pouco do mundo exterior a preocupava realmente, apenas as fofocas da Senhora Clotilde realmente lhe importavam.

"Sabe como é D. Clotilde, temos que fazer algo nesta vida senão Deus, Nosso Senhor, leva-me para junto do meu António..."



A D. Emília, na sua simplicidade de vida, nos seus hábitos saloios e no acto de ordenhar a vaca todas as manhãs, era feliz. A evolução era algo dispensável para ela. A árvore bem lhe dizia, "ignorância é bênção".

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