2.11.07

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Sexta-feira 13

Não, não é um dia de azar. É um dia como todos os outros: comi sushi barato num restaurante chinês num beco de uma rua onde as putas mandam à noite. Sei que poderia ser uma delas mas hoje, oh hoje, as coisas foram diferentes.
Fui sair com o Homem de Negócios à tarde, vem cá uma vez por estação. É ele que me diz que o tempo passa; cheguei a um ponto em que tudo é igual, o sol nasce e põe-se todos os dias. Qual é a piada? sei que as cores mudam no céu durante o pôr-do-sol mas e se eu vos disser que sou daltónica? Sim, eu sei, estaria a mentir.
Fomos passear, ele levou-me às compras, comprei sapatos e lingerie. Ele sempre me deixa ser mulher, seduz-me por entre as cortinas dos vestuários e faz tudo isto como se de um afrodisíaco se tratasse. Depois leva-me para o quarto de hotel, onde fazemos amor, de janelas fechadas, apenas com a luz da cabeceira ligada. Sempre que está comigo, escolhe quartos com muitos espelhos. Ele sabe que eu gosto de ver, ver acima de tocar.
Quando acabamos, fumo um cigarro, nua, em frente à janela. Entretanto ele vai tomar banho, acho que nao quer que o meu cheiro se lhe entranhe na pele, lhe penetre os poros e que o seu coração o respire. Eu percebo. Não sou mulher para ele, não sou mulher para ninguém. Demasiado fria para aquecer quem quer que seja.
Esperei por ele na cama, ele veio e sentou-se no cadeirão, tão distante. Levantei-me e deitei-me a seus pés. senti a alcatifa nas minhas costas e as suas mãos nos meus cabelos. Puxou-os levemente como se me desejasse, mas logo os largou virando a cara para a janela. Eu sei que ele ama outra mulher, num outro lugar do mundo. Achei melhor deixá-lo sozinho, não me quero intrometer. Vesti-me e, à porta do quarto, beijou-me a face, dando-me a mão. Olhamo-nos nos olhos e vi-lhe o coração pela primeira vez. Vi uma tamanha tristeza que me gelou o corpo. Não fui capaz de lhe tocar, desci no elevador e comecei a chorar. Pela primeira vez, em anos, senti. Parei o elevador, não podia descer mais. Corri de volta ao quarto e tomei-o nos meus braços. De repente senti-o a soluçar, com o peito encostado na minha cara, foi um alivio tremendo. Ali, ambos sentíamos com o coração e não com o corpo.
Mais uma vez, deitamo-nos na cama e despimo-nos, por entre os lençóis, mas não fizemos amor. Foi só um desejo de toque, de calor. Não olhei para os espelhos e não liguei a luz. Queria tudo tão negro para que a cegueira se tornasse completa.
Não sei quanto tempo assim ficámos mas o calor foi mais intenso que nunca.

2 comentários:

Zero disse...

sushi é japonês.

Matilde disse...

eu sei, por isso foi num restaurante rasco chinês.